'A Estrada 47' (Brasil, Portugal e Itália, 2014), de Vicente Ferraz, é um desafio para quem acompanha o cinema nacional, pois se trata de filme de guerra e com soldados brasileiros.
Alguém poderá pensar que, então, só pode ser filme histórico com cheiro de guardado — que resulta em tédio. Pelo contrário.
Vencedor do 42º Festival de Cinema de Gramado, no ano passado, o longa nos coloca dentro da Segunda Guerra para acompanhar um impensável grupo de brasileiros no conflito na década de 1940 e os trata devidamente como heróis.
Ferraz, também roteirista, faz relato ficcional a partir de história real do envio de mais de 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater os inimigos representados pelo Eixo na Segunda Guerra: Alemanha, Itália e Japão. E, como se sabe, estavam despreparados para a tarefa. Tudo piora se o episódio narrado se passa durante um Inverno.
O começo, em meio à neve no front, é difícil.
No ponto de partida, um incidente provoca pânico em seis soldados, todos engenheiros, que se perdem nas montanhas. Dois deles morrem e um jornalista foge do quartel general para ir ao encontro de quatro sobreviventes. Então, o grupo descobre que só será salvo se encontrar a tal estrada referida no título, retirar as minas dela e chegar a um povoado italiano.
O episódio não só recupera parte da história brasileira, mas valoriza uma expedição completamente desconhecida da maioria de nós — que foi a campanha da Itália. Nisto está um mérito, mas o filme não sobrevive apenas da história.
Sobre um bom roteiro, 'Estrada 47' fala de pequenos heróis, mas não no sentido ingênuo destes, os que salvam humanidade. Guima (Daniel de Oliveira, muito bem no papel) e seus companheiros salvam a própria pele e, em consequência, beneficiam a população da aldeia e os próprios aliados. A entrada triunfal dos aguardados americanos no povoado só será possível pela ação dos brasileiros, então tidos como ineptos e inexpressivos.
Um dado importante está na narração do protagonista que, em vez de contar os fatos (como é comum), reflete sobre eles. O belíssimo texto de Paulo Lins é uma carta que Guima escreve ao pai questionando a ida para a guerra na qual ele não vê sentido algum.
Não é fácil trabalhar com conceitos tão abstratos em meio à guerra, mas este é o foco. Guima, por exemplo, confessa que jamais tinha desarmado sozinho uma bomba e sem ajuda de dois companheiros que morreram.
A confissão é o momento mais bonito desse personagem, quando ele descobre alguma utilidade no conflito e quando se julga capaz de realizar algo que dê sentido à guerra. Há outros episódios similares, quando Piauí (Francisco Gaspar) decide carregar sozinho um alemão ferido que se torna aliado e amigo.
O personagem funciona como alívio cômico, mas também possui seu momento de pequeno herói. 'A Estrada 47' foge do panorama atual do cinema brasileiro. Não é a comédia ligeira (quase sempre tola) que faz sucesso e não se enquadra na linha hermética que ninguém vê. Nesse meio, o longa de Ferraz tenta encontrar o público. Empreitada difícil, mas o filme merece a chance.